spot_img
22.4 C
Belo Horizonte
quinta-feira, outubro 10, 2024
spot_img

Osteointegração Esquelética Transcutânea para Amputados

A amputação da extremidade inferior não só causa alterações na anatomia e função do membro, mas também resulta quase inevitavelmente em grandes prejuízos nas capacidades profissionais, sociais, recreativas e na qualidade de vida dos pacientes em geral. A reabilitação desses indivíduos tem como padrão mundial a utilização de próteses tradicionais de encaixe (prótese com socket). Apesar das inovações tecnológicas nos materiais, no formato e design do socket, houve muito pouca mudança na interface global entre prótese e coto de amputação. Estudos demonstram que 72% dos indivíduos com amputação transfemoral queixam de calor ou sudorese no encaixe da prótese, 62% de feridas ou irritação na pele do encaixe, 61% de incapacidade de andar em matas e campos abertos, 59% de incapacidade de andar rapidamente, e 51% queixam de dor residual no coto. Além disso, há relatos de alteração de volume do coto, com consequente necessidade de frequente reajuste do encaixe, aparência estética, perda de confiança para deambular e desconforto do uso da prótese com encaixe convencional, sobretudo nos cotos muito curtos (1-7).

Para superar essas complicações, surgiu nas últimas três décadas um novo conceito que modifica completamente a interface prótese e coto de amputação, ancorando a prótese diretamente ao osso, popularmente conhecida como Osteointegração (Osseointegration). A técnica consiste na inserção de uma endoprotese porosa de titânio na cavidade medular do osso remanescente do coto por press-fit, sobre o qual ocorre crescimento ósseo, em um curto espaço de tempo, integrando o implante estruturalmente e funcionalmente ao osso. A endoprótese é exteriorizada de forma transcutânea através do estoma, e o pilar exteriorizado, permite que o membro protético seja fixado de forma rígida a este (1-7).
A fixação esquelética direta por osteointegração é uma técnica consolidada nas substituições totais de articulações, implantes dentários, deficiências craniofaciais, reconstrução maxilofacial, próteses orbitárias, aparelhos auditivos ancorados no osso, porém somente após 1990, foi incorporada para a fixação de membros protéticos. A Osteointegração esquelética transcutânea do membro amputado melhora a dor, a mobilidade e a qualidade de vida de pacientes que lutam com uma prótese de encaixe tradicional (1-3).
Vantagens:
A grande vantagem da Osteointegração é a eliminação da necessidade do encaixe (socket) do membro protético. A fixação da prótese diretamente na endoprotese, faz com que o paciente apresente melhor estabilidade, melhor fixação, consiga sentar com maior conforto, melhora da mobilidade do quadril (amputação transfemural), e maior facilidade e agilidade no engate e desengate da prótese (4,6,8).
Esta técnica leva a melhora significativa da osteo-percepção e osteo-propriocepção. A osteo-percepção diz respeito a sensibilidade vibratória transmitida pela prótese ao coto de amputação.  O impacto da prótese ao chão gera um impulso vibratório que é transmitido à endoprotese e, consequentemente, ao osso amputado. O paciente consegue distinguir onde ocorreu o impacto (calcanhar da prótese ou antepé), e o tipo de terreno sobre o qual está deambulando, com consequente aumento da segurança durante a marcha. A melhora da osteo-propriocepção permite com que o paciente osteointegrado saiba para onde o pé da sua prótese esta direcionado, e a disposição da sua prótese em relação ao espaço, mesmo se estiver de olhos fechados (4).
Há também melhora da densidade óssea em pacientes com osteoporose local pré-operatória por desuso após 5 anos de carga esquelética direta nas extremidades inferiores amputadas e osteointegradas por press-fit (9).
Desvantagens:
As desvantagens são principalmente a necessidade de intervenção cirúrgica para a aplicação da técnica, submetendo o paciente a riscos inerentes do procedimento, e o  processo de reabilitação por vezes mais longo, especialmente nos casos com osteoporose local instalada no coto de amputação (1, 12).
Indicação:
São elegíveis para a cirurgia de Osteointegração, pacientes que apresentam problemas com próteses de encaixe convencionais (desconforto, dor, incapacidade de usar próteses de encaixe, ulcerações, coto curto, transpiração excessiva), maturidade esquelética completa, anatomia esquelética normal, idade entre 20 a 70 anos, histórico médico adequado para o procedimento, e que concordam em cumprir com o programa de tratamento e reabilitação proposto (10 – 14).
Contraindicação:
Pacientes gestantes, com esqueleto imaturo, submetidos previamente a radioterapia no osso a ser abordado, imudeprimidos, pacientes submetido a quimioterapia nos últimos 6 meses, idade superior a 70 anos, instabilidade psicológica, infecção ativa sistêmica ou no coto de amputação, todos esses possuem contraindicação absoluta ao método. Pacientes diabéticos, fumantes, com insuficiência vascular e peso corporal acima de 120kg possuem contraindicação relativa (10 – 14).
Complicações:

Das complicações descritas após a implantação de um dispositivo de osteointegração em pacientes amputados, a infecção é a mais temida. Al Muderis et al descreveram em seu estudo prospectivo com 86 pacientes e seguimento por 24 meses, uma incidência de 27% de infecção superficial tratadas com antibióticos orais. A infecção profunda ocorreu em 5% dos casos, com necessidade de desbridamento cirúrgico e antibiótico parenteral. Nenhum paciente do estudo necessitou de retirada do implante por sepse.  H. Van de Meent et al. descreveram que o surgimento de infecção superficial com necessidade de emprego de antibióticos é frequente (34%), porém o risco de desenvolvimento de osteomielite é baixo em pacientes com amputação por trauma ou tumor. O risco em outros grupos de pacientes (por exemplo, doença vascular periférica, diabetes) está sendo avaliado. Além da infecção a formação de granuloma no estoma é frequente (20%), apresentando boa resolução após ressecção cirúrgica. Outras complicações como fratura do implante, soltura, e fratura periprotética são raras, sendo esta ultima vista somente em quedas e principalmente no primeiro ano após a cirurgia (12-14).

Conclusão:
A osteointegração esquelética transcutânea para amputados tornou-se uma opção de tratamento bem estabelecida para pessoas com amputação de membros inferiores que não toleram próteses de encaixe tradicionais. A osteointegração tem a capacidade de proporcionar benefícios substanciais em termos de melhora de função e qualidade de vida para pacientes.

Caso Clínico:
Primeiro paciente de Osteointegração de Minas Gerais e décimo do país.

Paciente JARF, sexo masculino, 42 anos, vítima de atropelamento durante prática de ciclismo, com amputação traumática transfemural (na cena do trauma). Submetido a protetização convencional, evoluiu com queixas de assaduras, dores e dificuldades de adaptação ao socket da prótese.

Na avaliação pre-operatória habitual, foi notado a necessidade de encurtamento de 6cm do fêmur amputado para o correto nivelamento dos joelhos (prótese e joelho).

blank

blank

Na data de elaboração deste texto, o paciente encontrava-se na quinta semana de pós-operatório. Vem realizando reabilitação com fisioterapeuta, executando descarga de peso gradual e controlada, treinos aeróbicos e treinos de ganho de adm. Programado para iniciar o acoplamento de sua prótese na semana seguinte (sexta semana pós-operatória), e com isso inicio da marcha.

blank

blank

Referências Bibliograficas:
Munjed Al Muderis, William Lu, Jiao Jiao Li. Osseointegrated Prosthetic Limb for the treatment of lower limb amputations: Experience and outcomes. Springer Medizin Verlag Berlin 2017.
Jacqueline S Hebert, Mayank Rehani, Robert Stiegelmar. Osseointegration for Lower-Limb Amputation: A Systematic Review of Clinical Outcomes. JBJS Rev. 2017 Oct;5(10):e10.
Jason Shih Hoellwarth, Kevin Tetsworth, Muhammad Adeel Akhtar, and Munjed Al Muderis. The Clinical History and Basic Science Origins of Transcutaneous Osseointegration for Amputees. Advances in Orthopedics. Volume 2022, Article ID 7960559, 14 pages
Marcus Örgel, Mohamed Elareibi, Tilman Graulich, Christian Krettek, Claudia Neunaber, Horst-Heinrich Aschoff, Alexander Ranker, Marcel Winkelmann. Osseoperception in transcutaneous osseointegrated prosthetic systems (TOPS) after transfemoral amputation: a prospective study. Arch Orthop Trauma Surg. 2023 Feb;143(2):603-610.
Munjed Al Muderis, Belinda A Bosley, Anthony V Florschutz, Paul A Lunseth, Tyler D Klenow, M Jason Highsmith, Jason T Kahle. RADIOGRAPHIC ASSESSMENT OF EXTREMITY OSSEOINTEGRATION FOR THE AMPUTEE. Technol Innov.2016 Sep;18(2-3):211-216.
Munjed M Al Muderis, William Y Lu, Jiao Jiao Li, Kenton Kaufman, Michael Orendurff, M Jason Highsmith, Paul A Lunseth, Jason T Kahle. Clinically Relevant Outcome Measures Following Limb Osseointegration; Systematic Review of the Literature. J Orthop Trauma. 2018 Feb;32(2):e64-e75.
Seamus Thomson, William Lu, Hala Zreiqat, Jiao Jiao Li, Kevin Tetsworth, Munjed Al Muderis. Proximal Bone Remodeling in Lower Limb Amputees Reconstructed With an Osseointegrated Prosthesis. J Orthop Res. 2019 Dec;37(12):2524-2530.
Hendrik Van de Meent 1, Maria T Hopman, Jan Paul Frölke. Walking ability and quality of life in subjects with transfemoral amputation: a comparison of osseointegration with socket prostheses. Arch Phys Med Rehabil. 2013 Nov;94(11):2174-8.
Jason Shih Hoellwarth, Atiya Oomatia, Kevin Tetsworth, Elisabeth Vrazas, Munjed Al Muderis. Bone density changes after five or more years of unilateral lower extremity osseointegration: Observational cohort study. Bone Rep. 2023 Apr 28:18:101682.
Jason Shih Hoellwarth, Kevin Tetsworth, S Robert Rozbruch, M Brianne Handal, Adam Coughlan, Munjed Al Muderis. Osseointegration for Amputees: Current Implants, Techniques, and Future Directions. JBJS Rev. 2020 Mar;8(3):e0043.
Russel Haque, Shakib Al-Jawazneh, Jason Hoellwarth, Muhammad Adeel Akhtar, Karan Doshi, Yao Chang Tan, William Yenn-Ru Lu, Claudia Roberts, Munjed Al Muderis. Osseointegrated reconstruction and rehabilitation of transtibial amputees: the Osseointegration Group of Australia surgical technique and protocol for a prospective cohort study. BMJ Open. 2020 Oct 20;10(10):e038346.
Munjed Al Muderis, Aditya Khemka, Sarah J Lord, Henk Van de Meent, Jan Paul M Frölke. Safety of Osseointegrated Implants for Transfemoral Amputees: A Two-Center Prospective Cohort Study. J Bone Joint Surg Am. 2016 Jun 1;98(11):900-9.
J P M Frölke, R A Leijendekkers, H van de Meent. Osseointegrated prosthesis for patients with an amputation: Multidisciplinary team approach in the Netherlands. Unfallchirurg. 2017 Apr;120(4):293-299.
Ontario Health (Quality). Osseointegrated Prosthetic Implants for People With Lower-Limb Amputation: A Health Technology Assessment. Ont Health Technol Assess Ser. 2019 Dec 12;19(7):1-126. eCollection 2019.

blank
Dr. Bruno Souto Franco – Médico ortopedista do Hospital da Baleia, Hospital Orizonti, Hospital da Policia Militar e Rede Fhemig. Especialista em Reconstrução e Alongamento Ósseo. Membro da SBOT e ASAMI. Membro da Sociedade Norte-americana de Reconstrução e Alongamento Ósseo – LLRS.

VEJA TAMBÉM