A cirurgia de coluna tem como objetivos fundamentais, nas mais distintas indicações, a obtenção de uma descompressão adequada dos elementos neurais, o alinhamento vertebral nos planos sagital e coronal, a preservação do invólucro muscular e a fusão nos casos em que a unidade espinhal funcional não pode mais ser preservada com o movimento.1-4
Nos casos mais complexos de acometimentos degenerativo, traumático, tumoral e infeccioso e nas deformidades da coluna do adulto, reconstruções circunferenciais (360 graus) são frequentemente necessárias. O advento de técnicas de reconstrução da coluna anterior com dispositivos intersomáticos traz inúmeras vantagens em relação aos cages implantados pela via posterior, a saber: maior área de enxertia, melhor manipulação do espaço intervertebral para correção de deformidades, menor lesão muscular, menos sangramento e recuperação precoce.5-8
O decúbito prono, mais frequentemente utilizado em cirurgia da coluna, apresenta diversas preocupações, incluindo perda de visão (amaurose), complicações cardiovasculares, hipovolemia, complacência pulmonar reduzida e parada cardíaca.9 Entretanto, a troca de decúbitos em cirurgia da coluna (decúbito supino para abordagens anteriores [ALIF], decúbito lateral para abordagem Transpsoas ou ante- -Psoas [XLIF/OLIF] e posterior para instrumentação pedicular) diminui, em parte, as vantagens desses acessos, por trazer consigo aumento do tempo cirúrgico entre suas etapas, com impacto até no custo envolvido.10-13
Diante desse impasse, foi desenvolvido o conceito de cirurgia em decúbito lateral estrito, ou single position surgery, capaz de aliar os benefícios de uma reconstrução 360 graus da coluna vertebral com técnicas modernas e minimamente invasivas, com a eficiência cirúrgica da realização de vários procedimentos em uma única posição.10
O objetivo deste artigo é expor esse novo conceito em cirurgia da coluna.
SINGLE POSITION SURGERY
A cirurgia minimamente invasiva (MIS) da coluna vertebral tem se popularizado nos últimos anos. Avanços nas técnicas e instrumentais cirúrgicos permitiram a abordagens cirúrgicas minimamente invasivas se tornarem uma alternativa segura às técnicas abertas tradicionais e, muitas vezes, a escolha preferida de muitos cirurgiões.1,2,6,7,10,13
A cirurgia de acesso lateral (LLIF/ XLIF) aumentou sua popularidade entre os cirurgiões de coluna desde sua introdução inicial em meados dos anos 2000.1 A abordagem transpsoas fornece acesso à coluna lombar com anatomia relativamente previsível e dispensa a necessidade de um cirurgião de acesso.6 A cirurgia de acesso lateral é realizada em decúbito lateral e a discectomia, a preparação da placa terminal e a inserção intersomática dos cages são realizadas enquanto o paciente permanece na posição lateral.
Uma vez que a fusão intersomática tenha sido realizada, tradicionalmente as feridas são fechadas e o paciente é reposicionado em decúbito ventral, para a fixação dos parafusos pediculares.3,6,13 O reposicionamento requer, portanto, uma segunda rodada de preparação, posicionamento do paciente e ajustes na sala de cirurgia, o que pode adicionar um tempo significativo ao procedimento e elevar o risco de contaminação.13
Na cirurgia realizada em posição única (single position surgery), todo o procedimento, incluindo abordagem, discectomia, colocação de cage intersomático e fixação percutânea do parafuso, é realizado em decúbito lateral. A posição lateral tende a ser mais bem tolerada pelo paciente em comparação à cirurgia em decúbito ventral.10,13 “No mais, mesmo, da mesmice, sempre vem a novidade.” Guimarães Rosa Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 19
Estudos mostram que a fixação dos parafusos pediculares na posição lateral após a fusão intersomática lateral (single position surgery) diminui o tempo da sala de cirurgia sem comprometer a lordose pós-operatória, as taxas de complicações ou os resultados perioperatórios,12,13 com benefício da redução de morbidade do procedimento
CASO CLÍNICO 1
Paciente do sexo masculino, 38 anos de idade, com queixa recorrente e incapacitante de dor lombar e nos membros inferiores, secundária à espondilolistese lítica em L4L5. Falha do tratamento conservador por vários anos. Foi submetido à artrodese extremo-lateral transpsoas (XLIF) sob neuromonitorização, com fixação pedicular percutânea bilateral, em decúbito lateral estrito. Tempo cirúrgico foi de 70 minutos, com perda sanguínea inferior a 50 ml e alta hospitalar em menos de 24 horas (Figura 1).
Há casos, porém, em que a descompressão indireta proporcionada pelos cages anteriores não é suficiente, necessitando de descompressão direta dos elementos neurais da cauda equina. Nesses casos, a descompressão minimamente invasiva utilizando tubos ou retratores específicos se torna uma excelente opção, mesmo em decúbito lateral. A endoscopia de coluna também pode ser utilizada em decúbito lateral para proceder à retirada de fragmentos discais extrusos e a descompressões foraminais.
CASO CLÍNICO 2
Paciente do sexo feminino, 76 anos de idade, com quadro de espondilolistese degenerativa L4L5, com estenose grave do canal espinal no mesmo nível. Portadora da síndrome de claudicação neurogênica, era incapaz de caminhar mais que 50 m sem claudicar. Foi submetida a XLIF, tendo sido realizadas descompressão direta da cauda equina e fixação pedicular bilateral em decúbito lateral. Tempo cirúrgico foi de 140 min, com sangramento de 150 ml e alta hospitalar em 24 horas, sem necessidade de terapia intensiva (Figura 2).
Para acessar o nível L5S1, não se propõe abordagem transpsoas (XLIF) por limitações anatômicas, em especial relacionadas à crista ilíaca, à vasculatura e ao plexo lombar. O acesso ao nível L5S1, por via anterior (ALIF), é realizado tradicionalmente em decúbito dorsal, com incisão que inclui exposição da borda lateral do reto abdominal, dissecção retroperitoneal e abordagem abaixo da bifurcação dos vasos ilíacos até o disco L5S1. Mais recentemente, ALIF também foi adaptado para ser realizado em decúbito lateral, com retratores especialmente desenhados para esse propósito (Figura 3).
A combinação de acesso lateral transpsoas (XLIF), ou ante-Psoas (OLIF/ ATP), com a cirurgia de artrodese intersomática anterior em decúbito lateral (XALIF) e fixação pedicular percutânea em decúbito lateral, permite em uma cirurgia com único posicionamento a reconstrução 360 graus da coluna toracolombar (X360). Tecnologias como tomografia intraoperatória (OARM) e neuronavegação podem ainda ser adicionadas para incrementar a eficiência e a segurança durante o procedimento (Figura 4)
CASO CLÍNICO 3
Paciente do sexo masculino, 45 anos de idade, com discopatia degenerativa multissegmentar L3S1 e estenose foraminal bilateral. Foi submetido a abordagem lateral ante-psoas (OLIF L3L4 e L4L5) e fixação pedicular bilateral em decúbito lateral (X360) (Figura 5). Mesmo em casos com mais complexidade técnica, como nas corpectomias para trauma e tumor ou nas deformidades do adulto (escoliose degenerativa), a combinação dessas estratégias eleva a eficiência cirúrgica, com diminuição das taxas de complicações e do tempo de internação.
CASO CLÍNICO 4
Paciente do sexo feminino, 64 anos de idade, portadora de escoliose degenerativa lombar com desequilíbrio sagital lombossacro, foi submetida à cirurgia de reconstrução 360 graus via anterior (XALIF), transpsoas (XLIF) e instrumentação pedicular percutânea de L2 a S1 (Figura 6).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cirurgia em decúbito lateral estrito (single position surgery) é uma tendência em cirurgia da coluna vertebral. Significa realizar toda a cirurgia de reconstrução necessária a um determinado paciente (descompressão dos elementos neurais, colocação de cages e estabilização com instrumentação) com ele em decúbito lateral. Decorre da integração de diversos avanços tecnológicos obtidos recentemente e apresenta como vantagens cirurgias mais rápidas, com menos sangramento e risco anestésico, recuperação menos dolorosa e alta hospitalar precoce.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Ozgur BM, Aryan HE, Pimenta L, et al. Extreme lateral interbody fusion (XLIF): a novel surgical technique for anterior interbody fusion. The Spine J. 2006;6:435-46.
2. Menezes CM, Andrade LM, Ferreira Jr MA, et al. Diffusion-weighted magnetic resonance (DW-MR) neurography of lumbar plexus in the preoperative planning of lateral acess lumbar surgery. Euroeoan Spine J. 2015;24:817-26.
3. Mobbs RJ, Phan K, Malham G, et al. Lumbar interbody fusion: techniques, indications and comparison of interbody fusion options including PLIF, TLIF, MITLIF, OLIF/ATP, LLIF and ALIF. J Spine Surg. 2015;1(1):2-18.
4. Woods KR, Billys JB, Hynes RA. Technical description of oblique lateral interbody fusion at L1-L5 (OLIF 25) and at L5S1 (OLIF 51) and evaluation of complication and fusion rates. The Spine J. 2017;17:545- 53.
5. Taba HA, Williams SK. Lateral lumbar interbody fusion. Neuro Surg Clin N Am. 2020;31:33-42.
6. Berjano P, Gautchi OP, Schils F, et al. Extreme lateral interbody fusion: how I do it. Acta Neurochir. 2015;157:547-51.
7. Rodgers WB, Gerber EJ, Patterson J. Intraoperative and early posoperative complications in extreme lateral interbody fusion: an analyse of 600 cases. Spine. 2011;36:26-32.
8. Shen FH, Samartzis D, Khanna AJ, et al. Minimally invasive techniques for lumbar interbody fusions. Orthop Clin North Am. 2007;38:373-86.
9. Kwee MM, Ho YH, Rozen WM. The prone position during surgery and its complications: a systematic review and evidence-based guidelines. Int Surg. 2015;100:292-303.
10. Thomas JA, Thomason CI, Braly BS, et al. Rate of failure of indirect decompression in lateral single-position surgery: clinical results. Neurosurg Focus. 2020;49:E5.
11. Shimzu T, Fujibayashi S, Otsuky B. Indirect decompression through oblique lateral interbody fusion for revision surgery after lumbar decompression. World Neurosurg. 2020;141:389-99.
12. Ziino C, Konopka JA, Ajiboye RM, et al. Single position verus lateral-then-prone positioning for lateral interbody fusion and pedicle screw fixation. J Spine Surg. 2018;4(4):717-24.
13. Blizzard DJ, Thomas AJ. MIS singleposition lateral and oblique lateral lumbar interbody fusion and bilateral pedicle screw fixation: feasibility and perioperative results. Spine. 2017;43:112-6.
14. Enchev Y. Neuronavigation: geneology, reality and prospects. J Neurosurgery. 2009;27:344-7.
15. Kochanski RB, Lombardi JM, Laratta JL, et al. Image-guided navigation and robotics in spine surgery. Neurosurgery. 2019;84:1179- 89.
16. Pathekaris KN, Brotis AG. Paschalis A. Extreme lateral interbody fusion in mangement of degenerative scoliosis: a retrospective case series. J Spine Surg. 2018;4:610-5.
17. Park DK, Lee MJ, Lin EL, et al. The relationship of intrapsoas nerve during a transpsoas approach to the lumbar spine. J Spine Disord. 2010;23:223-8.